Adeus, prefeito
Gustavo Maia Gomes
gustavomaiagomes@terra.com.br
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Tenho meio século de residência no Recife, onde nasci. Mesmo quando vivi em outros lugares, jamais fiquei dois anos sem vir à minha terra, andar em suas calçadas, dirigir em suas ruas, conviver com suas chuvas. Afirmo, com a autoridade que me conferem o tempo e as andanças, que nunca presenciei um caos urbano igual ao que estamos vivendo hoje, aqui. Pela sua responsabilidade nisso, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Buracos não proliferam devido às chuvas, ou por praticarem sexo sem camisinha, eles se multiplicam graças à falta de conservação e manutenção dos revestimentos que cobrem as ruas. Também chove no resto do mundo, sem as consequências nefastas alegadas pelas autoridades locais. Pela transformação desta cidade naquela com o maior número de buracos por metro quadrado do Brasil, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Entre abril e setembro, chove muito no Recife. Não é de hoje, sempre foi assim, nem está se tornando pior. Mas isso, até poucos anos, não implicava em desastre. Se, em vez de buracos, tivéssemos ruas transitáveis, houvesse sinalização adequada e galerias pluviais limpas, não precisaríamos sofrer esses vexames diários. Pelas casas desnecessariamente inundadas e pelo nó cego em que se transforma o trânsito ao menor sinal de chuva, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Num exemplo clássico de “desencontro geopolítico”, George W. Bush, o fatídico ex-presidente americano, demorou muito para visitar Nova Orleans, depois do furacão Katrina, que arrasou a cidade, em 2005. Mas terminou indo. Aqui ocorreu o contrário, o alcaide viajou para o outro lado do mundo no momento em que mais se necessitava dele. Por ter desaparecido quando a cidade afundava em chuvas, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Pedestres ou cadeirantes somos todos nós. Uns e outros, em algum momento do dia, utilizamos as calçadas. Ou, melhor, calçadas elas seriam, se calçadas fossem, como não o são, melhor seria chamá-las descalçadas. (Dizer que a manutenção das calçadas é responsabilidade dos proprietários não ajuda nada, seria o mesmo que resolver o problema dos buracos transformando-os em bens de utilidade pública, intocáveis.) Pelas imprestáveis calçadas deste burgo, que nos expõem a permanentes desconfortos e perigos, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Exercer as prerrogativas do cargo é uma coisa, transformar a atividade administrativa num falso conflito político – João não é mais João – é outra. Por ficar criando e cultivando brigas infantis, em vez de administrar a cidade, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Talvez toda essa inoperância seja devida a notórios problemas de saúde, felizmente, já superados. Se assim for, o prefeito merece nossa compreensão: prometemos não exigir que, após sua renúncia, ele tenha casa em rua que vire açude ao simples anúncio da chuva, nem que passe dois meses dirigindo diariamente seu próprio carro nesta cidade que sua administração está tornando inabitável, intransitável, insuportável. Para preservar sua saúde e restaurar nossa paciência, o prefeito do Recife deveria renunciar.
Adeus, João da Costa.
Gustavo Maia Gomes é economista e escritor
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