Jogos durante o entrudo no Rio de Janeiro. Aquarela de Augustus Earle, c.1822
"Tô me guardando pra quando o carnaval chegar". Quem ouve o verso de Chico Buarque mas não conhece a folia pernambucana nem imagina o peso da frase nem a quantidade de histórias - coletivas e guardadas na caixinha de segredos dos foliões - por trás da maior festa popular do Brasil. A espera não é apenas parte da poesia do carnaval, mas de sua própria origem. Consequência do calendário religioso, a festa surgiu como um libera geral antes da Quaresma, quando os cristãos aproveitavam a para fazer o que queriam para, depois, se resguardarem no período de 40 dias entre a quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa.
A origem do nome é controversa. Alguns historiadores afirmam que o nome vem de carrum navalis, os carros navais que faziam a abertura das Dionisíacas Gregas nos séculos VII e VI a.C. Outros acreditam que sua origem vem de carne levale, variante de dialetos italianos, que significa ação de tirar a carne. Outra possibilidade é que o carnaval tenha derivado de festejos especiais para as deusas da fertilidade mantidas nas tradições gregas, romanas e mesopotâmicas. Apesar da variedade de histórias e explicações, todas convergem pra uma só: louvar a vida. "Na máscara, o folião coloca o que gostaria de ser ou aquilo que gostaria que o mundo fosse. É o momento em que as pessoas inventam um cotidiano fantástico, um mundo de fantasia", conta o historiador Severino Vicente.
A festa, que parece ter características pagãs ligadas ao prazer, já chegou a se prolongar por meses, mas teve sua duração diminuída no século IV. "O cristianismo tomou a Europa e resolveu controlar esse culto à fertilidade, limitando o carnaval ao período que se conhece hoje, antes da quaresma", explica o historiador. Os foliões das épocas mais remotas comemoravam bebendo e comendo bastante para depois entrar em jejum, no qual havia, inicialmente, abstinência de sexo, carne e até mesmo das diversões, como circo ou teatro.
No entanto, apesar da origem do nome ser possivelmente grega ou italiana, essa festividade chegou ao Brasil com os portugueses. Com o atracar da primeira caravela na costa, veio também o Entrudo. "Um pouco violento, o evento começou a ser praticado pela corte brasileira no século XIX, mas logo se popularizou", continua Vicente. Homens e mulheres atiravam uns nos outros água suja, ovos e lama, que, com o tempo, - e ainda bem! - foram substituídos pelos confetes e serpentinas.
Da Europa também vêm as tradicionais figuras do Rei Momo, Colombina e o apaixonado Pierrot, assim como as máscaras e os bailes. Desta forma, aos poucos e pela junção de fragmentos e tradições milenares, foi se formando o que chamamos de carnaval: esses quatro dias literalmente fantásticos capazes de tocar no coração de milhões de foliões e arrastá-los numa corrente de alegria que parece nunca ter fim..
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